Artigo do Pedro Jobim, publicado em 30/10/2020 em Infomoney.
Ao redor do mundo, e mesmo no Brasil, a gestão de bens públicos por empresas é amplamente adotada. De parques nacionais, como Fernando de Noronha, a postos de saúde e hospitais, os modelos existentes são inúmeros e merecem um estudo sobre eles.
Não durou sequer um dia a publicação do decreto que autorizava o estudo sobre parcerias público privadas nas Unidades Básicas de Saúde e o recuo por parte do governo. O recuo, entretanto, se mostrou mais sintomático da nossa situação atual que o decreto em si.
Para piorar a situação, nas poucas horas em que se ensaiou um debate sobre o tema, nossa imprensa, em sua quase totalidade, contribuiu de maneira vexatória ao tratar o estudo como “privatização”.
Parcerias público-privadas para construir ou gerir bens públicos, como saneamento, educação e saúde, não são nem de longe um tema novo no Brasil e no mundo. Trata-se de algo que já é realidade, e com resultados que um estudo poderia, não fosse vetado, avaliar.
Pegue, por exemplo, o Hospital do Subúrbio, em Salvador, o primeiro hospital do país construído por meio de uma PPP. Inaugurado em 2010 pelo então governador Jaques Wagner (PT), o hospital contou com recursos de R$ 90 milhões e possui hoje 323 leitos (ou 14% do total de leitos hospitalares da Bahia).
Por ano, o governo baiano repassa ao hospital cerca de R$ 173 milhões para manter suas operações e operar exclusivamente pelo SUS. Trata-se de um valor que, apesar de alto à primeira vista, representa meros 3% do orçamento do estado em saúde.
Em 2019, o Banco Mundial premiou o hospital pela qualidade dos serviços e o êxito do projeto. Há um detalhe nessa história, porém. O Hospital do Subúrbio é administrado por uma empresa com fins lucrativos, a Prodal Saúde, que lucra com a gestão do equipamento público, e possui repasses em função de metas qualitativas e quantitativas.
Esse, entretanto, não é nem de longe o único modelo adotado no Brasil e no mundo. Aprovado em 1998 pelo governo de São Paulo, o sistema de Organizações Sociais da Saúde administra hoje 40 dos 91 hospitais públicos do estado, além de dezenas de outros equipamentos, como 58 ambulatórios, 3 clínicas de diagnóstico por imagem, além da central de distribuição de insumos da saúde pública.
Indo ainda mais ao sul do país, na periferia de Porto Alegre, o Hospital da Restinga, com 111 leitos, faz parte de um terceiro modelo, o dos hospitais de excelência, que recebem incentivos fiscais (PROADI), em troca de utilizarem o imposto em funções como apoio ao SUS (70%) e assistência médica (30%).
Os cinco hospitais, que além do Moinhos de Vento (RS), contam ainda com o Hospital Alemão Osvaldo Cruz (SP), Hospital do Coração (SP), Hospital Israelita Albert Einstein (SP) e Hospital Sírio Libanês (SP), recebem cerca de R$ 1 bilhão em forma de renúncia fiscal todos os anos.
A atuação nesse caso pode se dar por meio de educação, como o Sírio Libanês, que garante treinamento a 20 mil alunos por ano em troca de R$144 milhões em renúncia fiscal, compra de softwares de gestão ou gestão de hospitais públicos propriamente.
Na prática, alguns dos hospitais mais bem conceituados da América Latina, como o Albert Einstein, fazem parte do SUS (como você deve se lembrar do início da pandemia, quando o Einstein concentrou os testes de Covid), mesmo sendo privados.
Como você já deve ter percebido, os modelos dentro do próprio SUS (com atendimento 100% financiados pelo governo), são inúmeros, e podem se adequar conforme a demanda da sociedade e a situação dos estados. Isso, por si só, já justificaria a ideia de um estudo sobre modelos para UBS.
Mais do que isso, os modelos são amplamente utilizados por governos de esquerda ou direita, sem distinção, exceto pela reação pública.
As experiências internacionais
Ao redor do planeta, as experiências em modelos de gestão são também amplamente abundantes, e não se restringem apenas a área de saúde.
No campo da educação, por exemplo, há experiências nas chamadas “charter schools”, escolas com fins lucrativos mas que possuem financiamento do Estado, e são administradas por associações, ou pelos próprios professores. De fato, a ideia de uma escola privada e gerida por professores foi proposta justamente por Albert Shanker, diretor de um sindicato de professores.
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